Refletindo sobre as etapas da história da salvação narrada na Bíblia.


Para iniciarmos esta reflexão faz-se necessário, antes, decorrermos o que compreendemos, nesta linha de estudo, por Salvação. Salvação é tudo aquilo que Deus tem feito por nós desde a criação do universo e que, por ser dinâmica, permanecerá acontecendo até o fim dos tempos.
Para aprofundar este tema seria imprescindível retratar o que representou ou significou a palavra Salvação para cada autor da bíblia; isto por crermos que, embora a inspiração tenha sido divina, os “filtros receptores” da mesma foram humanos, ou seja, as obras foram escritas ou narradas segundo a cultura, grau de compreensão e experiência de quem as vivenciou; e, estes, as retratavam vogando no mar dos seus anseios, segundo suas próprias necessidades, quer fossem por ensejo físico ou espiritual. Entretanto, queremos, nesta reflexão, encentrar, apenas, o tema proposto que desenvolverá as etapas dessa grande história. Assim sendo, como ressaltado no parágrafo inicial decorrermos, primeiro, o que compreendemos por Salvação.
Uma forma simples e profunda de compreender o que significou e continua significando a salvação para o nosso povo (o povo de Deus) é entender que, através dela, Deus vem intervindo ao homem para libertá-lo. Contudo, não podemos esquecer que ela ganhou, em função da necessidade biológica ou espiritual de cada época, uma compreensão ou conotação diferente. Para aqueles que viviam no deserto, onde a água e os recursos naturais eram raros, entendeu-se por salvação a promessa por uma terra onde abundasse água e tais recursos. Em outro momento, onde o povo via-se escravo em um país estrangeiro, a salvação passou a ser, também, a liberdade. E assim foram formando-se os conceitos sobre a salvação de Deus; terra prometida, liberdade, vitória sobre os inimigos etc.
Por fim, chegamos, através de Jesus de Nazaré, o Messias, ao conceito central de salvação. Mateus, capítulo 1, versículo 21 nos diz que por Maria nascerá um filho que se chamará Jesus; e que seu povo, por Ele, será salvo de todos os pecados. Esta é a plenitude da salvação.
Uma leitura denotativa da Palavra leva-nos a crer que o amor a Deus e ao próximo foi e ainda é a chave para nossa salvação. Contudo, observando a própria Palavra, atentando-nos, principalmente, ao livro do Gênesis e aos ensinamentos de Cristo, compreendemos que, na verdade, foi a salvação a grande responsável pela nossa capacidade de amar; foi ela que nos tornou imagem e semelhança de Deus. Dessa forma, entendemos a Salvação como uma relação gratuita do criador para com a criatura. Logo, agora salvos, estamos livres para amar. Entretanto, esta liberdade, também, nos habilita negar esse amor. Esta é a tensão dialética vivida na história da salvação: termos a liberdade para amar e para transgredir. “Tomo, hoje, por testemunhas contra vós, o céu e a terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição” (Dt 30,19). Por esse motivo, diante da nossa liberdade de opção, Deus nos pede, sempre, que “escolhamos, pois, a vida”. Jesus fez esta escolha.
Deus, em nossa criação, amou-nos de tal forma que nos modelou, ainda que animais, com uma capacidade única, a de inteligir plenamente, tornando-nos seres capazes de erigir os nossos próprios porquês; seres culturais, epistemológicos, capazes, por isso, de construir a nossa própria história.

Somos feitos do pó e do “sopro da vida”. O Gênesis nos fala, nessa afirmativa, que o homem é parte integrante da terra (um ser biológico) e parte integrante do céu (um ser divino). A criação do homem propõe uma dialética, ou seja, que a carne conviva em juízo com o espírito (Cf. Mt 26, 41); nisto se dá a santidade. Temos, então, como princípio da criação, a fragilidade de um vaso de barro e a eternidade divina. Por isso, a morte prevalece cada vez que abrimos mão da nossa essência divina, ou seja, a razão, em favor da carne, neste caso, nossa animalidade (Jd 1, 10). (Ribeiro 2010)

Dessa forma, compreendemos a plenitude dos tempos e entendemos o porquê da salvação de Jesus não ter a ver, em sua relevância, com a vitória sobre inimigos, a conquista de novas terras ou, até mesmo, livrar o povo de algum jugo, mas, de, antes, fazer com que o homem liberte-se de si mesmo, da sua natureza voraz, libertando-o do próprio peso da carne (sarx). Isto nos dá, até aqui, a nossa ideia inicial da salvação, ou seja, aquela nos liberta para uma vida sem “pecados”. Por esse motivo, faz-se, também, necessário que discorramos, nesta reflexão, o que compreendemos por pecado.
“Estes, porém, dizem mal do que não sabem, e, naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais, se corrompem” (Jd 1, 10). A corrupção está na nossa saída da razão para a volta à “animalidade”. Quanto mais nos afastamos de Deus, mas estamos em trevas, ou melhor, sem a Luz do Mundo, que é a “razão da nossa vida”. A partir do momento que ganhamos a razão, todos os nossos atos considerados naturais, pela irracionalidade, passam a se chamar pecado. A Bíblia nos orienta que pecado é transgredir a lei de Deus, ser rebelde a ela. Portanto, aquele que nega a racionalidade é um errante. E aquele que não a mais tem, saiu do pecado, pois o dom do discernimento não mais existe. Logo, se não há consciência, não há culpa, e se não há o conhecimento das leis, também, o pecado não pode ser levado em conta (Rm 5, 13).
A Palavra de Deus nos orienta que não somos justificados pela lei, mas pela fé em Jesus, homem que, em sua plenitude, revelou-nos o verdadeiro Deus. Cristo tendo experimentado a carne, conheceu nossos pecados e nossas limitações e possibilidades diante deles. Contudo, ao vencer a morte, mostrou-nos que é possível sermos plenos na razão e suportarmos o peso da carne.
Assim, já tendo exposto o que entendemos por Salvação, daremos, agora, sequência às etapas dessa História.
1ª Etapa: Promessa e Aliança – A relação com um Deus que se apresenta para o povo hebreu como aquele que os conduzirá e será para sempre seu Deus. Javé estreita a relação com o seu povo, libertando-o do cativeiro e firmando sua lei sobre o monte Sinai. A promessa dada a Abraão é eterna e prevalece de geração em geração. Esta etapa é marcada por lutas e conquistas, sendo Deus o grande protagonista dessa história.
A Salvação é entendida, nesta etapa, como a responsável por todas as vitórias político-econômico-sociais que o povo alcançava. Nesta, a fé era como a de uma criança que precisa de alimentos líquidos; uma fé imatura, em construção. “Quando eu era criança, falava como criança e raciocinava como criança...” (1 Cor 11 – 13)
2ª Etapa: Cumprimento da Palavra – “...depois que me tornei adulto, deixei o que era próprio de criança” (1 Cor 11 – 13). Pela fé, sabemos que a Palavra de Deus formou os mundos; foi assim que aquilo que vemos se originou de coisas invisíveis (cf. Hb 1, 3): No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus e a Palavra era Deus; Ela estava no mundo e tudo foi feito por meio d'Ela, mas o mundo não A conheceu. A Palavra veio para a sua casa, mas os seus não A receberam. Ela, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que A receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu Nome (cf. Jo 1, 1; Jo 1, 10 - 12).
Por causa da fé é que os antigos foram aprovados por Deus; estes, não nasceram do sangue, nem do impulso da carne, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus (cf. Hb 1, 2; Jo 1, 13); todos eles foram aprovados por causa da fé que tinham; mas nenhum deles alcançou a promessa (cf. Hb 11, 39). Deus, então, preparou-nos algo de melhor, uma luz verdadeira, aquela que iluminaria todo o homem, a fim de que conhecêssemos a perfeição e fosse, por nós, alcançada a promessa; porque a Lei já havia sido dada pelos antigos, mas o amor e a fidelidade só viriam através de Jesus Cristo, a Palavra que se fez Homem e habitou entre nós (cf. Hb 11, 40; Jo 1, 9; cf. Jo 1, 14; Jo 1, 17).
Jesus é o cumprimento da palavra, ou seja, o ápice de toda promessa feita por Javé; é o ato máximo da revelação de Deus, não havendo outro marco fundante dessa revelação. Em verdade, tudo que será revelado depois de Jesus, será interpretado a partir da Sua compreensão de Deus.
3ª Etapa: Consumação – Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor; e dentre estas três, que a maior seja o amor (cf 1 Cor 13, 13). Contudo, para que esse amor (ágape) aconteça faz-se necessário, antes, buscarmos o Reino de Deus: projeto de vida revelado por Jesus que nos apresenta um modelo justo e igualitário de sociedade.
Nessa esperança depositamos e confiamos nossa fé, na busca incessante pelo bem, esperançando um reino de glória onde a misericórdia e a verdade encontrar-se-ão, juntas, com a justiça e a paz. Neste dia a desigualdade e a iniquidade cairão por terra porque o pedido de Deus terá sido compreendido e atendido; a exemplo de Jesus de Nazaré, nós, também, escolheremos, pois, a vida!
Entenderemos, nesta hora, que seguir a Jesus não é, a princípio, pertencer ou confessar alguma religião cristã; na verdade, segui-lo, é crer na sua proposta de renovação, sendo necessário, apenas, aprendermos a olhar o mundo, amavelmente, de uma forma simples e profunda. Para isso acontecer, será necessário nascer de novo (Cf João 3, 3), aprendendo e exercitando que Deus está dentro de nós, e que o único caminho para chegarmos a Ele é Jesus, ou seja, o outro (Cf Mt 25, 40).
A consumação acontece, gradativamente, diante da nossa plena compreensão e adesão ao Reino de Deus, compreendendo, acima de tudo, que, embora Deus seja singular, o mundo é plural.

Por Daniel G. Ribeiro

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